*Artigo de Murillo Galli. 5t4t1j
Tenho 41 anos. Sou da Geração Y — os Millennials. Uma geração marcada por ciclos de mudança e quebra de paradigmas. Crescemos num mundo fragmentado e depois hiper conectado. Vimos o Brasil com hiperinflação e depois com o Plano Real. Nascemos sob regime militar e amadurecemos na redemocratização. Vivenciamos governos de centro, direita e esquerda. Essa instabilidade moldou em nós uma habilidade única: adaptabilidade.
Profissionalmente, metade da minha vida estive ligado, de alguma forma, ao setor florestal brasileiro — como produtor, prestador de serviços, comprador, executivo ou consultor. E como bom Millennial, afirmo: estamos presenciando mais um momento de ruptura.
O setor florestal já ou por revoluções — a dos clones com o aumento de produtividade e redução do ciclo, do plantio manual ao mecanizado, da motosserra a super produtivas colhedeiras, da intuição à precisão dos drones e satélites. E essa transformação foi acompanhada, em sua maior parte, pela minha geração. Sabemos como era antes, vivemos o agora e lideraremos, provavelmente, o amanhã: as florestas do futuro. (futuro este que não é mais tão longe assim).
Mas há algo que pouco mudou até agora: a cultura da abundância. Somos favorecidos por clima, solo, água, escala e disponibilidade de geográfica. Essa fartura histórica moldou uma visão “gorda” sobre o uso da terra, onde priorizamos o “filé” — o fuste da árvore — e negligenciamos o restante. Resíduo virou sinônimo de descarte, e isso se cristalizou em “verdades operacionais” pouco desafiadas.
Contudo, desde 2010, essa lógica começou a ruir. Com a explosão da economia chinesa e a transformação do setor de celulose em polos industriais de bioprodutos, o Brasil se tornou o epicentro de investimentos florestais globais. Cidades, regiões e até estados inteiros foram impactados. A cadeia produtiva sofisticou. E com ela, cresceu também a demanda por madeira — e não só para papel e celulose.
A madeira virou insumo essencial para setores variados:
- Indústria de chapas e compensados,
- Siderurgia,
- Pecuária (como insumo energético),
- Secagem de grãos,
- Indústria sucroenergética,
- E a novíssima fronteira: o etanol de milho.
Mas a forma de olhar para a floresta não mudou.
Mesmo com o Brasil liderando globalmente em produtividade (IMA de 35–40 m³/ha.ano), e em velocidade do ciclo da floresta (6 a 8 anos — em alguns casos reduzido para 5), esse descomo entre a nova demanda x estoque de floresta existente e o tempo biológico das novas florestas, gerou o chamado e previsto por alguns do setor, “apagão florestal”: onde temos a capacidade instalada ociosa por falta ou inviabilidade de matéria-prima.
Resultado?
- Disparada nos preços da madeira (de históricos R$ 35-45 para R$ 180–200/m³),
- Ampliação do raio de colheita,
- Antecipações de corte,
- Perdas de eficiência.
Mas é aqui, neste cenário desafiador que entra a oportunidade — e a mudança de mentalidade.
“Resíduo não dá retorno”, “Toco é difícil de tirar”, “Deixa no campo que vira nutriente”… Essas frases, tantas vezes repetidas, refletem um modelo mental moldado pela fartura. Só que a fartura acabou.
Hoje, com custo elevado, escassez de mão de obra, mecanização cara e pressão por eficiência, o setor começa a olhar com seriedade para algo que sempre esteve ali: os chamados resíduos florestais.
A pergunta é: eles são realmente resíduos?
Países como os nórdicos e ibéricos já responderam: não. Lá, resíduos são insumos — para energia, compostos, blends de biomassa. Isso não aconteceu por acaso: foi fruto de escassez, políticas públicas, pesquisa e tecnologia. E o Brasil está vivendo esse mesmo ponto de inflexão.
Na empresa que atuo, o Grupo IBS Energy , estamos protagonizando esse novo capítulo. Através da IBC Biomass Solutions, t venture com o Grupo Madeplant Florestal , estamos projetando uma operação pioneira de entrepostos de biomassa no Estado de São Paulo, capazes de estocar, processar e misturar diferentes resíduos florestais e agrícolas para atender caldeiras com perfis técnicos diversos.
Um exemplo emblemático: A enfardadora de resíduos florestais Madeplant, a primeira do tipo no Brasil. Consolidada na Europa há mais de 15 anos, ela recolhe e enfarda mecanicamente os resíduos pós-colheita, levando muitos benefícios para a silvicultura, como a redução drástica de tempo entre colheita e entrada para plantio e até mesmo a viabilização da mecanização florestal quase imediata. Desde 2024 vem sendo testada no Brasil e já operou nos principais players do setor, em 4 estados, com desempenho técnico e operacional surpreendente.
Outro exemplo: A evolução do processo de destoca, realizado pela Madeplant. Em regiões do MS, onde o etanol de milho avança rapidamente, o uso do cavaco do toco como combustível está sendo feito em larga escala, com custo operacional cada vez menor e produtividade surpreendente.
Resultado final? A floresta deixa de ser mono-ofertante. O fuste vai para quem paga mais. Os resíduos viram combustível, insumo ou solução energética para quem tem menor capacidade de pagamento e a silvicultura gera ganhos hoje não contabilizados. A floresta se torna multifuncional, mais lucrativa e mais eficiente.
Lembro de uma visita à Espanha, onde perguntei ao gestor florestal: — O que vocês fazem com os resíduos? Ele riu e respondeu: — “¿Qué desperdicio? Esto no es desperdicio, es energía.”
Ali entendi tudo. Eles não têm sequer a palavra “resíduo” da forma como usamos. O que chamamos de resíduo, eles chamam de oportunidade.
E aqui no Brasil, finalmente, esse entendimento começa a chegar. Não temos mais espaço para ineficiência. Não temos mais margem para desperdício. A abundância, daqui para frente, precisa estar na produtividade — não na ociosidade.
Como Millennial, vejo nisso uma revolução silenciosa e promissora. Já vimos muita transformação antes — e essa, pessoalmente, talvez seja uma das mais empolgantes. A pergunta que fica não é “se” vamos mudar, mas “quando” deixaremos de usar a palavra resíduos para falar de ativos florestais e agrícolas.
Bora apostar?
*Murillo Galli é Diretor Executivo da IBC Biomass Solutions e Diretor de Relações Institucionais do Grupo IBS Energy.